Cultura e contracultura - relações interdisciplinares

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Rockcareta in Rio - um desabafo de Luca Manhães

   Quando da primeira montagem do evento comercial conhecido como Rock in Rio (hoje uma marca mundial de entretenimento com base no rock), em 1985, um suplemento de Juventude de um jornal comunista - Voz da Unidade - publicou um texto em que acusava o evento de ser careta.
   O título do artigo era  "Rockcareta in Rio", pois entre outras coisas, dele não constavam os astros do rock nacional como Raul Seixas (ainda vivo) e Rita Lee (ainda bem viva hoje).
   Mas não era só isto: o país ainda vivia sob uma ditadura e não havia nada, nada mesmo, no evento, que mostrava o impacto que havia sido Woodstock. Era - e ainda é - apenas um evento comercial, mesmo que algumas bandas de rock interessantes possam dele ter participado em suas várias edições. Nada contra a motivação de lucro que rege os objetivos de um empresário bem sucedido como Roberto Medina. O problema é vender gato por lebre.
   Para confirmar o artigo assinado por Luca Manhães, naqueles longínquos anos 80, a caretice agora toma conta de uma iniciativa apoiada pela Rede Globo de Televisão, que lucra também com o evento, foi a gravação de uma música que se diz contrária às drogas. Nada contra também chamar atenção do quanto o consumo de drogas pode ser perigoso.
   Como dizia Timothy Leary, um professor polêmico de Harvard que se tornou um guru da contracultura: "Sou 100% a favor do uso inteligente das drogas, mas 1000%  contra do uso burro"; dizendo-se totalmente favorável à descriminalização das drogas.
   Polêmicas à parte, droga é assunto muito sério para ser tratado com leviandade (vale a pena ver o filme já comentado neste blog, "Quebrando o Tabu"). O pior é o oportunismo como tem sido tratado o tema nesta campanha publicitária do evento. E com a mais desvalada demagogia.
   Para piorar o quadro cultural de tal evento, a coisa ainda piora, quando se tenta substituir o já problemático slogan da contracultura, "sexo, drogas & rock'n'roll" por "sexo, atitute & rock'n'roll"; ou, mais falacioso ainda: "sexo, família & rock'n'roll".
   É muita cara de pau. Ridículo, se não fosse cômico....
   Diferente da animação baseada nos personagens de Angeli,  Woody e Stock, que levou o título, por uma questão de idade dos personagens, de "Sexo, orégano & rock'n'roll". Onde existe graça - além da crítica, sempre bem-vinda - , aqui existe uma tentativa babaca de se apropriar de um momento histórico revolucionário para acrescentar algo que nada esclarece, só confunde.
   E, é claro, com objetivos apenas comerciais, sem nenhum compromisso com qualquer mudança.
   E ainda falando em meio-ambiente!!!...
   Pura demagogia.
   Não fui em 1985, quando era mais jovem, não vou em 2011, já um tanto cansado de tantas derrotas, em um evento tão careta que depõe contra as bandas que dele participam só para ganhar dinheiro.
   E, alíás, quem deveria participar deste evento deveria ser Justin Bieber fazendo dueto, como uma dupla sertaneja, com Luan Santana, o Wagner Moura vesgo.
   Só um esclarecimento aos leitores atentos deste blog: quem escreveu este desabafo não foi o dono do blog, que supõe ser mais sério do que este colaborador eventual, mas foi um espaço gentilmente cedido a mim, filho de Manguari Pistolão, Luiz Carlos Manhães, mais conhecido como Luca Manhães, autor do desabafo no jornal Voz da Unidade em 1985, o que levou a uma repercussão tal que até o jornal Folha de S. Paulo entrevistou na época Salomão Malina, secretário-geral do PCB, sobre o artigo tão virulento, um tanto contraditório para um partido político que lutava por sua legalidade. E Malina, com toda sua elegância de um revolucionário vivido, respondeu: "os jovens escrevem o que querem no suplemento Juventude do Voz da Unidade". E era quase verdade que se podia escrever tudo no suplemento, apesar dos esforços de seu editor, o grande jornalista Sérgio Kraselis.
   O jornal comunista não existe mais, Salomão Malina, grande combatente da democracia e do socialismo,  já morreu, mas o Rock in Rio continua sendo o que sempre foi, uma caretice brega travestida de modernidade e rebeldia.
   E agora com campanhas moralistas, aquelas que tanto agradariam Ronald Reagan, Richard Nixon e todo o Tea Party juntos...
   Tô fora!!!....
                                                                                                                    (Assinado: Luca Manhães)