Cultura e contracultura - relações interdisciplinares

segunda-feira, 28 de março de 2011

O BEAT, O POP E A BATIDA DO ROCK - Bases estéticas da contracultura.

   Existe uma estética da contracultura? Mas o que se pode entender por estética? Sempre que abordo este tema com meus alunos, faço questão de afirmar que estética pode ser entendida através de duas palavras, e que, depois de souberem quais são, nunca mais esquecerão os sentidos da estética. Todos me olham com desconfiança, mas após eu dizer, e principalmente explicar, o significado da provocação pedagógica, concordam comigo.

   Estética pode ser explicada por duas palavas, e estas palavras são: Estética e estética!!!... Assim mesmo, a diferença se estabelece na grafia, estética com maiúscula e estética com minúscula. Estética como um campo da filosofia criado no século XVIII por Baumgarten e estética no sentido etimológico grego: "aesthesis", como recepção física de um estímulo, sensorial portanto, ligado ao plano da percepção. No primeiro caso, uma atividade intelectual ligada ao plano da história da arte, vinculada à categoria de crítica do juízo, no sentido kantiano. No segundo, vinculado às sensações corporais, que nutrem o gosto individual, do que se tem prazer ao ver, ler, ouvir, pegar, comer, o que mobiliza as cordas sensíveis do corpo, nem sempre, na maioria das vezes não, controlados pela razão.

   Então, é verdadeira a afirmação do senso comum de que gosto não se discute? No primeiro caso, social, gosto se discute em torno das hierarquias, cânones, estilos e escolas; então, se discute sim, se aprende, se estuda cono chinês na afirmação de Picasso. Ou se estabelece a arte como uma "coisa mental", no sentido que a deu Leonardo da Vinci. No segundo caso, subjetivo, no qual nem mesmo a própria pessoa tem controle sobre, gosto não se discute não, se lamenta, se respeita ou então se elabora no sentido psicanalítico. Embora, para o maior crítico de arte norte-americano do século XX, Clemente Greenberg, gosto nunca se discute, pois "juízos estéticos nunca podem ser comprovados"...

   Então, como fica uma interpretação para o plano da contracultura em um estudo histórico-cultural? O que vai se desenvolver aqui na seqüência é a relação entre os dois, do plano da arte, que influenciou a arte contemporânea, que se chama como tal, da relação entre a literatura beat, a pop arte e o rock'n'roll; e no plano das percepções, em que a nova sensibilidade, que se propõe anti-intelectual (não sem equívocos, como se irá discutir), propõe uma nova cultura...

   Este vai ser o tema a ser debatido na aula de hoje, 29/03/2011, com base em dois textos de Clement Greenber; um de 1938 ("Avant-garde & Kitsch") e outro de 1969 ("Avant-Garde attitudes: New Art in the Sixties"). É possível conciliar tendências tão diferentes em um mesmo período histórico, marcado pelo que o próprio Greenberg definiu como marcado pela "confusão". Mas não seria extamente esta a característica comum entre as atitudes de "vanguarda" no contexto da cotracultura?...

sábado, 12 de março de 2011

MARGARET MEAD E A CONTRACULTURA - RAÍZES ANTROPOLÓGICAS DE UMA REVOLUÇÃO CULTURAL

   No musical Hair (Rado/Ragni/MacDermot, 1968) há uma cena bem significativa: um casal de turistas visita a tribo de hippies. Enquanto o marido fotografa, a mulher, uma senhora, fala com a tribo, que desconfia dos dois. Ao falar, ela diz à plateia para que ao chegarem em casa, digam a seus filhos adolescentes, para serem livres, para fazerem o que quiserem, desde que não fizessem mal aos outros, nem a si mesmos. E que era amiga de todos aqueles hippies, para depois cantar "My conviction". Esta presença inusitada foi explicada pelos autores posteriormente como uma homenagem à antropóloga Margaret Mead (1901-1978), ainda viva quando da estreia da peça na Broadway, NY.

   Em janeiro de 1970, quando colaborava na revista Redbook, em parceria com Rhoda Metraux desde 1969, publicou um texto intitulado "Woodstock em retrospecto", onde dizia que aqueles três dias do Festival de Música e Arte representava uma mudança; os jovens iam ali por espontânea vontade e falavam uma "linguagem de confiança mútua". E que o "verdadeiro acontecimento" que foi Woodstock representava uma nova percepção. Uma "percepção por parte desses 'aquarianos', que consideram a primeira geração de uma nova idade da paz, de que têm uma voz, um princípio viável, uma comunidade de interesses". E, por fim, uma constatação de que ninguém poderia afirmar qual seria o desfecho, mas que se poderia confirmar uma esperança de "ter fé na comunidade de sentimento que fez tantos dizerem daqueles três dias: 'foi lindo.'"

   Ficava claro em seu texto entusiasmado, que a antropóloga entendia aquele movimento - o da contracultura - como a confirmação de uma tese que ela defendia desde os anos 1920, quando iniciou sua carreira vitoriosa enquanto viva, a de que os jovens poderiam ser mais livres, inclusive sexualmente, e, portanto, mais felizes. Margaret Mead começou sua trajetória acadêmica ainda muito jovem, como orientanda de Franz Boas na Columbia University (NY), ao fazer em 1925 uma pesquisa com jovens das Ilhas de Samoa, e que foi publicada em 1928 com o título "Coming of age in Samoa" (algo como "Chegando a maturidade em Samoa", e que foi traduzida como "Adolescência em Samoa"), tendo com subtítulo "A Psychological Study of Primitive Youth for Western Civilisation". Entusiasamada com Freud, principalmente o de "Totem e Tabu", publicado em 1912, para desgosto de seu orientador, seu romântico relato se tornou o primeiro best-seller de um trabalho oriundo do meio acadêmico, e a jovem antropológa se tornou uma celebridade.

  Mas qual era a tese que causou tanto sensação quanto críticas ferozes? A de que a vida sexual das pessoas depende da cultura em foram criadas; e que, portanto, eram  normas culturais que poderiam ser diferentes das impostas por gerações. E que os jovens de Samoa era mais felizes porque mais livres do que os jovens norte-americanos submetidos a uma cultura repressiva e religiosa. De uma certa forma, os estudos de Mead faziam parte de um processo cultural de criação da juventude, uma categoria social que se tornou uma realidade com a geração nascida no contexto da II Guerra Mundial (1939-1945), principalmente depois de seu término, e que ficou conhecida como a Geração do "Baby-Boom". A geração que promoveu a revolução cultural conhecida pelo nome de contracultura. O objetivo deste texto, em construção, é o de desenvolver uma demonstração sobre as bases antropológicas da contracultura, tanto no aspecto intelectual e acadêmico quanto, principalmente, no plano sócio-cultural.

   Este processo, que pode ser estudado pela história cultural, envolve vários níveis em torno do período histórico conhecido como modernidade. Fruto da revolução industrial, das transformações urbanas e da consolidação de uma cultura burguesa, a passagem do século XIX ao século XX, conhecido como consequência da uma revolução científico e tecnológica sem precedentes, este período foi marcado por várias descobertas e novas áreas de pesquisa, entre elas; a antropologia, a psicanálise e a sociologia. Na antropologia, Franz Boas como um dos mais importantes nomes; na psicanálise, através de seu criador, Sigmund Freud; e na sociologia, a contribuição de Durkheim entre outros. Em 1900, a publicação de "A interpretação dos sonhos" abre caminho para o desenvolvimento de uma nova "ciência", que tem para os objetivos deste texto, o livro "Totem e Tabu", publicado em 1912, como um desafio importante para o desenvolvimento da antropologia. E, no caso da antropologia, a publicação de "A mente do ser humano primitivo", de Franz Boas, em 1911, indica um caminho para a importância das condições culturais para os padrões morais estabelecidos pela sociedade e impostos a seus membros, entre eles o racismo, os códigos de conduta e os níveis de felicidade alcançada. Não se entende as bases intelectuais em que a jovem Margaret Mead se formou sem a presença destes nomes, com os quais ela declara em seu trabalho juvenil ter intimidade.

    Menos de 5 anos depois da morte de Margaret Mead, em plena era Reagan, outro antrópologo, Derek Freeman, publica um livro que questionava toda carreira de Mead a partir de uma pesquisa realizada em Samoa em que afirmava que o "mito antropológico" havia sido construído em torno de mentiras. Freeman afirmava que a tese de Mead era mais ideológica do que científica, que ela havia sido enganada pelas meninas de Samoa, que não havia liberdade sexual coisa nenhuma, que as meninas brincavam com a pesquisadora ingênua. Ingênua ou oportunista?  Que via naquela história uma boa chance de avalancar uma carreira acadêmica, construindo um dos maiores embustes na história da antropologia. A crítica contundente era suficiente forte, e documentada, para destruir qualquer carreira. Ocorre que Margaret Mead estava morta e não podia se defender. Embora tenha havido os que a defenderam, sua reputação ficaria manchada irremediavelmente.

   Mas, por que o antrópologo nutria tanto ódio à antropológa que havia marcado época? Pelo feminismo dela? Pela defesa da liberdade sexual? Por ter influenciado tantos jovens, que aderiam à contracultura? Uma coisa é certe: se ideologia havia, ela ocorria em ambos. Uma, revolucionária; outra, conservadora. Na história cultural não existem culpados nem inocentes, existem agentes, conscientes ou inconscientes, de projetos de arte, educação e cultura que visam transformar a sociedade ou que mantenam situações inalteradas. Nem todo mundo é inocente, nem todo mundo é culpado, mas ninguém fica impune com suas opções intelectuais, morais ou estéticas. O estudo da relação de Margaret Mead com a contracultura visa exatamente isto: entender como as ideias inovadoras interferem no plano da realidade social; e na busca das bases antropológicas para o surgimento da contracultura, a pesquisa intelectual e acadêmica da antropóloga ousada não pode passar despercebida. Pode até ser uma questão de "conviction", mas os fatos demonstraram uma utopia ser possível. Sim, eles puderam. "Yes, we can"...